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quinta-feira, 31 de março de 2011

MIDIA E CRIME

Antonio Cláudio Mariz de Oliveira

Uma das questões mais angustiantes da atualidade refere-se à criminalidade, que há décadas apresenta índices assustadores de crescimento. Note-se que, além de aumentar, o crime vem sendo praticado por segmentos que anteriormente pouco delinquiam e está alcançando valores e interesses até então imunes a violações.

O Estado tem competência exclusiva para investigar, responsabilizar e punir, diante da prática de condutas consideradas pela lei como criminosas. Sua atuação se faz por meio de agentes que participam de todas as fases da persecução penal, que são as autoridades policiais, os promotores de Justiça e os juízes de Direito. Como porta-voz dos direitos e das garantias do acusado existe o advogado, que exerce o direito de defesa, sem o qual não pode haver sequer a instauração de um processo contra o apontado culpado.

Esse quadro aparentemente singelo é, no entanto, de difícil entendimento para considerável parcela da sociedade, em face do tecnicismo que caracteriza a atividade judiciária. Por outro lado, o crime causa fortes sentimentos, que vão desde o ódio até a compaixão e provocam manifestações passionais de vários segmentos. Ademais, poucos acontecimentos despertam tanto o interesse da mídia como os eventos criminosos.

Saliente-se que a mídia televisada, sem dúvida, representa o mais eficiente elemento de aculturação do nosso tempo. No Brasil ela chega aonde a escola não chega. Com o crescimento da criminalidade, a mídia passou, no cumprimento de sua missão de informar, a desempenhar um papel de grande relevância, pois é nítida a sua influência na própria distribuição da justiça penal.

Alguns agentes do sistema penal se tornam presas fáceis das câmeras. Razões ligadas à própria natureza humana os deixam vulneráveis à exposição midiática e, com isso, deixam de ter presentes responsabilidades e deveres inerentes às suas funções de juiz, advogado, promotor e delegado. Verdadeiramente, deixam de se apresentar como exercentes de suas funções próprias e passam a desempenhar papéis e a dizer aquilo que imaginam ser do agrado do público.

Esse comportamento daqueles que deveriam ser discretos e comedidos acaba sendo aproveitado na teatralização do delito, a cargo e ao gosto da mídia. Esta não trata o crime como uma tragédia que ele é e, como, tal digna de compreensão, comedimento, recato e respeito. Uma tragédia, diga-se, que poderá atingir qualquer um de nós, na condição de acusados ou de vítimas.

Assim, a dignidade e os direitos do culpado devem ser respeitados, para que o sejam os do inocente. Não se esqueça que qualquer um pode ser atingido por uma acusação infundada. De outro lado, por ser um fato humano, ninguém em sã consciência poderá afirmar que jamais o cometerá um delito, especialmente aquele que encontra as suas motivações em circunstâncias e acontecimentos da própria vida e que para ocorrerem independem da vontade.

Ao lado da dramatização do crime, ou como parte dela, alguns aspectos das coberturas de eventos criminosos devem ser realçados. A mídia, em geral, noticia o fato e passa a exigir a prisão, como se o encarceramento fosse a única resposta possível ao crime. E, diga-se, exige a prisão em face de fatos que muitas vezes não estão caracterizados como fatos criminosos. Exige a prisão do mero suspeito, pois, muitas vezes, nem sequer inquérito ainda foi instaurado. Com isso despreza o devido processo legal, constituído pelas fases legalmente previstas, que devem ser vencidas até a sentença.

Na verdade, não poucas vezes, a mídia não se limita a informar: acusa. Não admite defesa: condena. Não quer processo: pune. E o faz com provas, sem provas ou contra as provas.

Com a exagerada exposição do suspeito, a imprensa televisada impõe-lhe uma pena cruel e perpétua, pois a sua imagem terá sido para sempre destruída. A sanção da desmoralização pública não se restringe ao suspeito, uma vez que atinge todos os que lhe são próximos, porque ninguém é poupado do perverso posicionamento da sociedade perante o crime.

Caso a Justiça não atenda às expectativas criadas pela mídia no sentido da prisão ou da adoção de quaisquer outras medidas de força, ela passa a criticar o Poder Judiciário, imputando-lhe leniência, morosidade e responsabilidade pela impunidade. Os advogados, por sua vez, nessa visão, dificultam a celeridade processual, pois recorrem e requerem em demasia, atrapalham com a defesa a rápida aplicação da sanção, enfim, são como que cúmplices dos clientes. Os direitos e as garantias constitucionais e processuais, por seu lado, são considerados perfumarias jurídicas.

Seria de toda a conveniência que a mídia extraísse lições do crime. Discutisse as suas circunstâncias, as suas causas, enfim, desse à cobertura do fato uma outra conotação desprovida do sensacionalismo, do estrépito e do estardalhaço. Uma conotação que tentasse entender o porquê do delito, com o objetivo de evitá-lo no futuro. Talvez seja uma utopia, mas sem utopia não se avança, e ao que assistimos é que apenas a repressão e a exploração midiática do crime não têm evitado o seu crescimento.

Note-se que o fato de a mídia evitar exercer atividades que não são suas, como a de julgar, e também tentar não influenciar o sistema penal e os seus agentes, com a adoção de um comportamento mais discreto e adequado, não significa nenhuma limitação à sua liberdade, mas, sim, consiste na assunção de sua responsabilidade de respeitar outros direitos e outros valores igualmente relevantes.

E, como já se afirmou, a responsabilidade não é uma limitação à liberdade, mas sim um aspecto da liberdade.

Membro da Comissão de Direito Penal do IAB.

terça-feira, 29 de março de 2011

REVOGADA A PRISÃO PREVENTIVA DO PAI DE JOANNA MARINS

O Juiz Alberto Fraga, da 3ª Vara Criminal do Rio, revogou nesta segunda-feira, dia 28, a prisão preventiva de André Rodrigues Marins, acusado de torturar sua filha Joanna Marins, de 5 anos, que morreu em 13 de agosto do ano passado. O magistrado entendeu que não há motivos para que o pai da menina continue privado de sua liberdade, visto que ele não representa ameaça à ordem pública, à aplicação da lei penal ou às testemunhas.

Na mesma decisão, o juiz concluiu também que as provas juntadas ao processo não foram suficientes para caracterizar que André e sua mulher, Vanessa Maia Furtado, tenham cometido o crime de homicídio qualificado por omissão, apontado inicialmente na denúncia do Ministério Público. O próprio MP, em suas alegações finais, opinou pela desclassificação do crime de homicídio. Assim, os dois vão responder apenas por um único crime: tortura seguida de morte. Para isso, o juiz determinou que o MP adite a denúncia, adequando-a aos termos da decisão.

De acordo com o juiz Alberto Fraga, ficou claro que, apesar de toda a situação que veio a acarretar um quadro de baixa imunológica e que pode indicar a existência do crime de tortura, os réus não deixaram de procurar atendimento médico adequado para a situação da menor, tendo assim agido pelo menos a partir do dia 15 de julho de 2010.

“Por conseqüência, o resultado morte não decorreu de qualquer conduta omissiva, mas sim de situação pretérita, a qual, como se verá, levou a criança a um quadro imunológico que permitiu a rápida evolução da meningite herpética e o óbito de Joanna”, escreveu.

Dessa forma, prosseguiu o juiz, “é inviável que se impute aos réus o delito de homicídio por omissão, o que, entretanto, não significa que não possam responder pelo resultado morte apresentado”.

quarta-feira, 23 de março de 2011

CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: MUDANÇA INÚTIL

Sergio Bermudes

Vários processualistas esperam que, na próxima sessão legislativa, a Câmara dos Deputados não repita o erro do Senado Federal, aprovando um novo Código de Processo Civil. A revogação do atual Código só dificultará a administração da justiça e prejudicará as pessoas que recorrerem ao Judiciário, sem vantagem para ninguém. O país não necessita, absolutamente, mudar o atual Código, nem conseguirá resolver os graves problemas das partes e de terceiros, mediante a substituição do atual CPC. O sábio Francesco Carnelutti reprovou a pretensão, correntia na Itália do seu tempo, de transformar a realidade pela mudança das leis. Essa crítica bem se aplica ao Brasil de hoje.
O projeto do Código de Processo Civil, que mereceu a aprovação do Senado, coonestou, em larga parte, um anteprojeto superficial, feito com injustificável rapidez, sem a análise das carências do Judiciário do Brasil. Tirante exposições a auditórios complacentes, ou desinformados, não houve qualquer consulta a grandes especialistas, como José Carlos Barbosa Moreira, no consenso unânime o maior processualista brasileiro e um dos melhores do mundo. Esta omissão, fruto do propósito de elaborar uma reforma a toque de caixa, é tão absurda quanto se criarem normas técnicas de arquitetura ou cirurgia plástica, sem pedir a opinião de Oscar Niemayer ou Ivo Pitanguy.
Esqueceram-se os autores do anteprojeto e os senadores, que aprovaram o projeto, de verificar se é conveniente a substituição do Código atual por um outro, diferente daquele pela introdução de cerca de 200 artigos, na maioria supérfluos, redigidos em mau vernáculo. Um novo Código demandará a reformulação da doutrina, impondo a edição de novas obras, incompatíveis com o baixo poder aquisitivo dos interessados. Eles precisarão também freqüentar cursos, palestras e seminários inevitavelmente dispendiosos e enfrentar problemas de aprendizado de toda ordem. Juízes e tribunais deverão adaptar sua jurisprudência à legislação superveniente, com perda lamentável de parte significativa do que construíram até agora. Convidado pela Editora Forense para atualizar os 17 tomos dos Comentários ao Código de Processo Civil, de Pontes de Miranda, tive que me limitar à publicação de dois ou, no máximo, três volumes por ano, a fim de evitar o encalhe dos demais, decorrente das dificuldades financeiras dos consulentes das obras, num país onde um professor de Direito recebe, em média, remuneração mensal que não ultrapassa R$ 3 mil e um advogado comum não embolsa mais de R$ 6 mil por mês.
O projeto acolhido pelo Senado absorveu muitos dos erros do anteprojeto que pecou pela sofreguidão, incompatível com os cuidados que se devem pôr na feitura de leis de longa duração. O Código de Processo Civil hoje vigente resultou de um anteprojeto, apresentado pelo professor Alfredo Buzaid, então o maior processualista brasileiro, em 1964, para converter-se, somente em 1973, na Lei 5.869, de 11 de janeiro daquele ano.
Mesmo um perfunctório exame do projeto agora aprovado mostrará que ele seguiu o anteprojeto, o qual, longe de empenhar-se no aperfeiçoamento da justiça civil, se preocupou na adoção do entendimento teórico dos seus autores acerca de institutos processuais. Veja-se, por exemplo, que, tal como o seu esboço, o projeto incluiu um título relativo à tutela de urgência e à tutela de evidência, matérias absolutamente desnecessárias, de difícil entendimento, apenas porque sobre elas versou a brilhante tese para a titularidade da cadeira de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da UERJ, do ilustre presidente da comissão incumbida de elaborar a nova lei.
Lamentavelmente, no Brasil, o quadro de operadores da máquina judiciária é composto, em inquietante parcela, de pessoas com dificuldade de compreender e aplicar institutos importados de países de maior cultura e tradição, como a Alemanha e a Áustria, cujas ordenações de processo civil datam, respectivamente, de 1877 e 1895.
Tal como o seu anteprojeto, o projeto extinguiu o agravo retido, ignorando a utilidade deste recurso, instituído, no sistema de direito positivo lusitano, em 1523, quando foi criado, na esteira da supplicatio romana. A admissibilidade do agravo de instrumento, limitado aos casos especificados no anteprojeto e no projeto, não funcionou, na vigência do CPC de 1939. Malogrará também no novo Código, em decorrência da precariedade da postulação e da prestação da justiça no país. Isto levará, inevitavelmente, ao uso deturpado do mandado de segurança desviada, então, da sua finalidade esta ação onerosa para os cofres públicos, tudo por causa da impossibilidade de se estender o agravo a casos, muitos deles teratológicos, de violação e comprometimento de direitos, ocorrentes em todo o território nacional. É também inaceitável a possibilidade de execução da sentença, antes do julgamento da apelação que a impugnar.
Sem quebra do respeito aos redatores do anteprojeto e aos senadores que aprovaram o subseqüente projeto, esses esboços recendem a um cientificismo oco, em muitos pontos de difícil compreensão e deficiente aplicação. Melhor seria prosseguir na tentativa de dar efetividade a institutos do atual Código, até hoje não aplicados na devida extensão, como a ação declaratória incidental, o julgamento conforme o estado do processo, o recurso adesivo, a execução por quantia certa contra devedor insolvente e certas ações especiais.
Aqui fica, por conseguinte, a sugestão aos deputados de que auscultem a comunidade jurídica nacional, particularmente os especialistas, sobre a conveniência da edição de uma lei que fatalmente trará mais problemas do que soluções.

Professor de Processo Civil na PUC/RJ e advogado.
    Fonte IAB
    http://www.iabnacional.org.br/IMG/pdf/doc-3926.pdf

terça-feira, 22 de março de 2011

INQUÉRITO QUE INVESTIGA O DEPUTADO FEDERAL EDUARDO CUNHA(PMDB-RJ) IRÁ TRAMITAR SEM SEGREDO DE JUSTIÇA

Por decisão do Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, o Inquérito de nº 3056, que investiga o Deputado Federal Eduardo Consentino da Cunha(PMDB-RJ) pelo suposto crime contra a ordem tributária, não tramitará mais em segredo de justiça.
Em sua decisão o Ministro mencionou a decisão que negou a tramitação sob sigilo do processo contra o Presidente do STJ, Ari Pargendler. Na ocasião destacou que os estatutos do Poder não podem privilegiar o mistério. “Nada deve justificar, em princípio, a tramitação, em regime de sigilo, de qualquer procedimento que tenha curso em juízo, pois, na matéria, deve prevalecer a cláusula de de publicidade”, afirmou o Ministro no referido despacho.
Também foi concedido o pedido de vista ao Deputado e aos outros investigados no mesmo processo. De acordo com o relator a decisão encontra respaldo na Súmula Vinculante nº 14, que diz: “é direito do defensor, no interesse do representado, ter amplo acesso aos elementos de prova que encontram-se documentados no procedimento investigatório...”.
O Ministro destacou ainda que a assistência técnica do advogado é uma garantia constitucional, ao ponto que esta ficará obstada caso seja negado o acesso aos autos do inquérito.

terça-feira, 15 de março de 2011

OPERAÇÃO CASTELO DE AREIA

 Iniciada em 2008 pela Polícia Federal, a operação Castelo de Areia apurou indícios de crimes financeiros como evasão de divisas e lavagem de dinheiro, que envolveriam várias pessoas, entre elas dirigentes da Construtora Camargo Corrêa. Haveria também indícios de participação da administração pública.

O julgamento de dois habeas corpus em que se pedem a anulação das investigações sobre a operação Castelo de Areia continua indefinido na Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em sessão nesta terça-feira (15), o ministro Og Fernandes deu seu voto no sentido de considerar legais as investigações e os atos processuais realizados. Após, o julgamento foi interrompido por pedido de vista do desembargador convocado Celso Limongi.

Os habeas corpus, um impetrado pela defesa de um suspeito de atuar como doleiro, e o outro em favor de três executivos da construtora, começaram a ser julgados pela Sexta Turma em 14 de setembro do ano passado. Na ocasião, a relatora do caso, ministra Maria Thereza de Assis Moura, votou pela concessão parcial da ordem, considerando ilegais as provas obtidas a partir da quebra do sigilo telefônico dos acusados.


Segundo a referida ministra, ora relatora, a quebra do sigilo de dados junto às companhias telefônicas – à qual se seguiu autorização da Justiça Federal em São Paulo para interceptação dos telefonemas – foi ilegal porque teria se baseado em denúncias anônimas recebidas pela Polícia Federal acerca das atividades do suposto doleiro. Ela considerou a ordem de quebra de sigilo genérica e indiscriminada.

O ministro Og Fernandes pediu vista após o voto da relatora e, na retomada do julgamento, manifestou posição divergente. Para ele, o acesso aos dados telefônicos não foi concedido em razão da denúncia anônima, mas de elementos colhidos pela investigação feita pela Polícia Federal.

Para o ministro, o caso envolve uma “tensão entre preceitos constitucionais da mesma estatura”: de um lado, o direito à intimidade e a garantia do sigilo das comunicações; de outro, a segurança da coletividade e a probidade na administração pública. “Os autos mostram uma possível atuação delitiva em licitações públicas envolvendo cifras exponenciais”, declarou o Ministro.

Em sua opinião, a quebra do sigilo sobre dados telefônicos foi uma medida indispensável, “pois não havia outros meios de as provas serem eficazmente coletadas”, e ainda proporcional “ao vulto dos delitos supostamente perpetrados”. Esclareceu ainda que a necessidade do procedimento ficou demonstrada pelas próprias escutas telefônicas que se seguiram, as quais revelaram toda sorte de artifícios utilizados pelos envolvidos para driblar eventuais investigações.

Como exemplo, o ministro mencionou o uso de criptografia em alguns aparelhos monitorados, substituição de nomes de pessoas por nomes de animais, palavras em alemão, utilização do Skipe (programa de comunicação via internet, cujas mensagens são codificadas), existência de empresas fantasmas, além de informações dando conta de grandes transferências financeiras de forma fracionada, para se evitar a fiscalização governamental, e da preocupação com a destruição de comprovantes dessas movimentações.

A ação penal instaurada na Justiça Federal a partir das investigações da operação Castelo de Areia está parada por força de uma liminar do STJ. Para a conclusão do julgamento na Sexta Turma, além do voto de Celso Limongi, falta ainda o voto do desembargador convocado Haroldo Rodrigues. A quinta vaga da turma julgadora está em aberto.

Esperamos que essa investigação não passe em branco, a sociedade deve ver essas pessoas punidas.